sábado, 29 de janeiro de 2011

A sexta-feira das separadas (Diálogo Platônico 2)

A união faz a força, diz o ditado. Por isso, quando uma separada com filho não pode sair de casa porque não tem com quem deixa-lo, outras separadas vão visita-la e falar bobagens.

Imaginem-nos com togas mais do que airosas, já que o calor é insuportável. Instaladas num jardim aprazível, num bairro aprazível. Escravos bem dotados tocam suas liras, espantam os mosquitos da dengue e servem alcoóis derivados de diversos tipos de uva. A iluminação é suave.

S2: Então, gente, o lobisomem me telefonou hoje (vejam postagens anteriores).

(gritos de S1 e S4).

S1: E aquela preleção de 50 minutos que te fiz ontem, S2 ? Não foi suficiente ? Você não entendeu NADA ?

S2: Ontem ele passou em casa e meu filho não me avisou. Quando ele ligou hoje não conseguia nem falar. Desliguei o telefone e fiquei 40 MINUTOS EM POSIÇÃO FETAL NO SOFÁ. Meu filho veio perguntar: o que aconteceu, mamãe ?

S4: E o que o infeliz queria ?

S2: Me dizer que meu presente está pronto, que ficou lindo, amanhã ele vai levar lá em casa.

(gritos de S1 e S4).

S1: Me ajuda, pelo amor de Zeus, S4. Explica pra ela como as coisas funcionam. Nós já passamos por isso, querida S2, por isso você pode ser poupada. Veja só que oportunidade, somos as arautas da revelação.

S4 (fazendo voz de imbecil): Ohhhhhh, o que estou fazendo de errado ? Por que não consigo entender a mente complexa deste homem tão interessante ?

S1 (fazendo voz de mais imbecil ainda): Aaaaaaaiiiii, por que não alcanço os mistérios insondáveis que se escondem por trás da névoa daquele olhar ?

S4: Ohhhhhhh, por que tenho uma vida tão desinteressante e a vida dele é tão cheia de agitos e emoções ?

S2: Isso, é assim que eu me sinto.

S1: Pois tudo o que o infeliz está procurando é uma trouxa como nós, pra ficar batendo palma pra maluco.

S4: ELE É UM INUTIL DESEQUILIBRADO.

S2 não escuta, olha para o vazio com cara de lunática.
S1 desiste da preleção, e se prepara para recolher os restos de S2 quando for a hora.
S4, ainda traumatizada por uma experiência semelhante, não desiste. Abre sua bolsa e saca uma poderosa arma: um livro que discorre sobre a paixão de casais célebres (como o cantor de óculos redondos e a mulher japonesa da capa). Acreditando que a palavra tem mais força que a espada, põe-se a ler sobre a triste história de amor entre um escritor famoso e uma mulher feia e destemida.

Ao final da leitura, S1 está à beira das lágrimas, tantos os reveses sofridos por aquela abnegada mulher (incluindo espancamento, humilhações públicas, infidelidades, falta de sexo).  S2, ainda em transe, desfia suas impressões sobre a história:

S2: No final ela se deu bem, teve todos os homens que quis. Um amor muito bonito, né ? Ela devia ser muito grata a ele, que a ajudou tanto na carreira. Bom, amanhã o lobisomem vai lá em casa. E eu vou no almoço na casa da irmã dele na outra semana. Acho que vou tentar, sabe ? Só pra ver no que vai dar. Depois eu caio fora, sou muito controlada.

Nota-se, querida S2.

Partimos então para a segunda garrafa, e mudamos de assunto. S1 chama um escravo de lado e pede-lhe que, no dia seguinte, compre uns carneiros no mercado para fazer um sacrifício. A partir de agora, só com reza braba.

2 comentários:

  1. eu estava precisando de um tratamento de choque desse de S1 e S4 há algumas semanas. antídoto contra um outro exemplar da espécie lobisomem. tive que me ferrar mais um pouquinho, mas acho que nesse momento posso me considerar uma pessoa quase livre das influências malévolas deste tipo de ser (que, na verdade, é uma combinação de lobisomem com narcisista-espírito-livre). ao menos o sexo era bom.

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